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Laboratório Pfizer: a empresa pagou uma multa de 150 milhões de dólares por desistir de uma compra
São Paulo — Passam os anos e uma máxima do mundo empresarial se mostra
cada vez mais atual: os melhores negócios são, muitas vezes, aqueles que
não são feitos. Quando a economia vai bem, dificilmente alguém se
lembra disso. Nesses momentos, o objetivo é comprar, fundir empresas e
crescer.
Os compradores, com medo de ser passados para trás por concorrentes
igualmente ávidos por crescimento, exigem poucas garantias dos
vendedores e pagam preços elevados. Quando os ventos mudam, os problemas
ficam evidentes, e o jeito é tentar arrastar todo mundo de volta para a
mesa de negociação. É essa a situação no Brasil hoje.
Nos últimos cinco anos, as fusões e aquisições
no país somaram cerca de 300 bilhões de dólares, e as brigas entre
antigos sócios mostram que parte delas nunca deveria ter saído do papel.
Atualmente, algumas das transações estão sendo desfeitas; outras,
renegociadas — em determinadas situações, as divergências são tão
grandes que os casos foram parar nos tribunais.
Um levantamento feito, a pedido de EXAME, pela consultoria Dealogic
mostra que, nos últimos 12 meses, 16 transações foram desfeitas, somando
12 bilhões de dólares. É o maior volume desde 2011.
“Quando o negócio
tem alguns pecados mas é lucrativo, o investidor releva.
Mas, quando fica frustrado com os resultados, parte para a briga”, diz
José Roberto Castro Neves, sócio do escritório FCDG Advogados, envolvido
numa dezena de discussões desse tipo. O volume de arbitragens no país
também aumentou, e 60% delas são embates societários.
Os principais casos são de compradores que buscam alterar o preço da
aquisição ou desfazê-la sem pagar multa — alegando que os resultados
estão abaixo do esperado, por exemplo — e de vendedores que exigem
indenizações porque os sócios resolveram cancelar o contrato. As
discussões em arbitragem incluem operações feitas há até quatro anos.
Quando o fundo de private equity KKR comprou a empresa brasileira de
tecnologia Aceco em 2014, estava há pelo menos dois anos buscando um
negócio para estrear no país. A Aceco crescia 60% ao ano, com a demanda
de bancos e empresas para construção ou ampliação de data centers. O KKR
pagou 1,5 bilhão de reais pela empresa em abril de 2014.
Em janeiro, iniciou uma arbitragem para desfazer a operação, alegando
que os vendedores — a família Nitzan e o fundo de private equity General
Atlantic — fraudaram o balanço para esconder passivos e valorizar a
empresa. Segundo EXAME apurou, a General Atlantic diz que o KKR está
insatisfeito porque se endividou para fazer a compra.
Como os resultados da empresa pioraram em razão da crise, ficou difícil
pagar a dívida e o fundo se arrependeu. Essa não é a única disputa em
que o KKR está envolvido no Brasil. O fundo é um dos donos do grupo
americano de ensino Laureate, que comprou a universidade FMU no Brasil
há três anos, por 1 bilhão de reais.
A Laureate argumenta que o desempenho da faculdade brasileira é inferior
ao que os donos da FMU lhe apresentaram e quer rever o preço — o
fundador Edvaldo da Silva diz que não. O caso foi parar num tribunal de
arbitragem. A pressa de fechar negócios quando a economia estava
aquecida levou muitos compradores a abrir mão de fazer auditorias
detalhadas — e, por isso, demoraram para descobrir problemas.
Em maio, a varejista Leader entrou com uma ação no Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro para suspender o restante do pagamento pela compra da
concorrente Seller, que foi feita em 2013 e custou 500 milhões de reais.
A Leader alega que foi notificada recentemente pelo Ministério Público
de “inconsistências” fiscais da Seller. A própria Leader foi uma
aquisição-problema.
O banco BTG Pactual comprou a empresa em 2012 e, segundo executivos
ligados à operação, a pressa foi maior do que a análise da companhia.
Com um endividamento que chegou a 1 bilhão de reais em 2015, a Leader
acabou sendo revendida por 1 real.
A discussão dos passivos tributários também colocou em pé de guerra a
rede americana de farmácias CVS e a família Arede, que vendeu a Drogaria
Onofre aos americanos em fevereiro de 2013. A CVS quer um desconto de
quase 20% no valor da aquisição, que somou 600 milhões de reais. A
alegação é que as dívidas fiscais são maiores do que o que foi
informado.
A família Arede diz que a CVS perdeu o prazo para utilizar os créditos
tributários gerados pela operação e está querendo diminuir o prejuízo. O
caso também foi parar em tribunais de arbitragem. Os advogados
contratados para assessorar as empresas em fusões e aquisições costumam
antecipar problemas que podem acontecer depois que os negócios são
fechados.
Há uma descrição detalhada das situações em que a transação pode ser
desfeita e das multas que podem ser cobradas. Isso só não acontece
quando os contratos são fechados às pressas — ou quando a situação
financeira dos envolvidos muda tão rapidamente que fica difícil saber o
que fazer.
É o caso da empresa americana de energia SunEdison, que pediu
recuperação judicial menos de um ano depois de ter se comprometido a
realizar duas operações com a brasileira Renova, de energias renováveis,
em julho de 2015. A SunEdison deveria comprar parques eólicos da Renova
e pagá-los com ações de sua subsidiária, a TerraForm.
Depois disso, a Renova venderia centrais hidrelétricas para a TerraForm.
A primeira parte do negócio aconteceu, mas a SunEdison desistiu da
segunda etapa — e, por isso, pagou à Renova uma multa de 10 milhões de
dólares. Agora a Renova quer exercer sua opção de venda das ações na
TerraForm por 15 dólares, conforme previsto em contrato, mas a SunEdison
alega que não tem como cumprir o combinado.
Mudanças regulatórias têm sido outro foco de problemas. A fusão da
corretora Gradual com a administradora de recursos Bridge terminou em
briga.
Meses depois do anúncio do negócio, realizado em fevereiro de 2015,
Fernanda Lima, dona da Gradual, foi informada pelo Banco Central que a
análise da transação levaria meses e dificilmente seria aprovada por
causa dos problemas envolvendo Zeca Oliveira, dono da Bridge.
Em julho, Oliveira foi denunciado pelo Ministério Público, acusado de
autorizar aplicações irregulares de fundos de pensão quando presidia o
banco BNY Mellon no Brasil.
Segundo pessoas próximas às empresas, Fernanda conversou sobre o assunto
com Oliveira e, no dia seguinte, recebeu a notificação de que a Bridge
enviaria o caso a um tribunal de arbitragem. Para Oliveira, Fernanda
estava rompendo o contrato. Nenhuma das empresas citadas nesta
reportagem deu entrevista.
Capítulo da discórdia
A proliferação das brigas entre antigos sócios está levando os
escritórios de advocacia a mudar as cláusulas destinadas a resolver as
desavenças. Na maioria dos casos, estão limitando os motivos que podem
ser alegados para desfazer negócios — e também o prazo durante o qual
compradores e vendedores podem recorrer. Isso exige que os contratos
sejam bem mais detalhados.
“O que era resolvido em um parágrafo agora tem páginas de previsões de
rompimento”, diz Gabriel Leutewiler, sócio do escritório Santos Neto
Advogados. Os novos contratos também têm cláusulas que permitem que o
negócio seja desfeito em caso de dano de imagem — um trecho que foi
incluído em razão das operações Lava-Jato e Zelotes. Não é apenas no
Brasil que as fusões e as aquisições têm dado errado.
Houve um recorde de operações desfeitas nos Estados Unidos em 2016. O
grupo farmacêutico Pfizer pretendia comprar a irlandesa Allergan por 150
bilhões de dólares e transferir sua sede para a Irlanda para pagar
menos impostos — mas o governo americano mudou as regras fiscais e o
negócio deixou de ser viável.
A Pfizer
voltou atrás e pagou 150 milhões de dólares de multa por desistir da
aquisição. Mais uma vez, não ter feito nada teria sido a melhor opção.
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