sábado, 1 de março de 2014

Patriotismo, um sentimento em extinção




O orgulho pelos símbolos nacionais está cada dia mais em baixa no Brasil

 

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Por Alexandre Fogaça e Soraia Sene 

O que é um patriota?


O patriota é aquele que ama seu país e procura servi-lo da melhor foram possível, mas cuidado com idéias ultrapassadas, que podem invadir sua mente neste exato momento. Na acepção contemporânea, esse cidadão é um ser pensante, não se submete a toscos fanatismos e está disposto a participar de mudanças que conduzam, de fato, a comunidade onde vive para um patamar de vida melhor.

Nesse contexto, os símbolos nacionais de um país e seu significado histórico, especialmente a bandeira nacional e o hino que lhe corresponde, não são coisa do passado. Ao contrário, revelam muito da educação e do que vai na mente e coração de um povo e de sua capacidade, como nação, de trilhar um destino comum. O lema “ordem e progresso”, estampado em nossa bandeira, considerada uma das mais belas do mundo, evidencia o valor e o objetivo que os brasileiros abraçam com prioridade. Mas uma coisa é a teoria, outra, a prática. Basicamente, só em temporada de Copa do Mundo o orgulho de exibir o verde-azul-amarelo vivos de nossa flâmula ganha os corpos, as mentes e os corações da brava gente brasileira.

Há, ainda, outras pedras nesse caminho: a letra do hino nacional é conhecida e cantada corretamente por pequena parcela da população. O governo também aboliu do calendário nacional a data comemorativa do Dia da Bandeira (leia quadro nesta matéria) e nas escolas, do ensino fundamental ao superior, ninguém mais fala do significado e importância dos símbolos nacionais. Há repartições públicas que nem mesmo hasteam a bandeira nacional e outras instituições privadas que o fazem, mas às vezes exibem, de forma inconsciente, mas desrespeitosa, bandeiras desbotadas pela ação do tempo.

“O orgulho nacional é para os países o que a auto-estima é para os indivíduos: uma condição necessária para o aperfeiçoamento. O patriotismo é uma forma de orientação política”, afirma o filósofo norte-americano Richard Rorty, professor de literatura comparada e filosofia da Universidade de Stanford e autor de vários livros – o mais recente deles, lançado no Brasil, é Ensaios Pragmatistas, publicado pela DP&A Editora.

Por aqui, os estudiosos do fenômeno são unânimes: o sentimento patriótico está em extinção no Brasil. E isso não é bom, pois sinaliza uma série de problemas.

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Heródoto Barbeiro com Pinheiro Pedro nos Estúdios da Record

Confusão com a ditadura

Para o jornalista e historiador Heródoto Barbeiro, da Rádio CBN e TV Cultura de São Paulo, circunstâncias históricas fragilizaram o sentimento patriótico em nosso país.“A ditadura militar se apropriou dos símbolos nacionais. Então, a oposição e quem era contra a ditadura rechaçaram completamente essas demonstrações cívicas”, explica Barbeiro.

Perspectiva semelhante é da psicóloga social Nanci Gomes, da Universidade Metodista de São Paulo.
“Após a ditadura militar, ocorreu em nossa sociedade um movimento para abolir a expressão do nacionalismo e desvincular os símbolos nacionais do exercício da cidadania”, afirma Nanci.

O procurador de Justiça, Roberto Liviano, membro do Movimento do Ministério Público Democrático e secretário geral da Federação de Associações e Juízes para a Democracia da América Latina e Caribe, diz que a ausência de patriotismo é um fenômeno que vai além de nossas fronteiras e tem a ver com a febre do individualismo. “As pessoas deixaram de colocar o interesse coletivo como prioridade, fazendo prevalecer os interesses individuais”, aponta o procurador.

Educação

Um dos aspectos mais destacados pelos entrevistados foi a importância da educação no desenvolvimento de um genuíno comportamento cívico. Vale lembrar que, até meados da década dos 80, os então chamados cursos primário e secundário (atuais fundamental e médio) e até superior, de instituições de ensino público ou privado, tinham na grade curricular disciplinas como Educação Moral e Cívica ou Organização Social e Política Brasileira, cujo objetivo era promover o conhecimento e sentimento de patriotismo nos alunos desde tenra idade. Taxativo, o jornalista Heródoto Barbeiro diz que ressuscitar essas matérias não surtiria o efeito desejado.

“É hora de entendermos a expressão patriotismo sob o olhar da cidadania, e não de uma classe social, que se apropria disso e aqueles que forem contrários à sua perspectiva são tidos como anti-nacionalistas, anti-brasileiros e por aí afora”, comenta Heródoto.

“Se hoje estamos falando sobre a falta de patriotismo do povo brasileiro é porque essas aulas não deram certo. Esse não é o caminho. O patriotismo não é para ser imposto, mas sim conquistado pelas pessoas por meio de acesso a educação de boa qualidade, emprego, vida digna”, aponta o jornalista, enfatizando que é preciso manter essa questão longe do uso político.

Outra opinião tem o governador do Distrito LC2 do Lions Clube de São Paulo, Frederico Dimov Júnior, para quem não se pode dissociar o processo educacional do sentimento de patriotismo.

“A forma como é tratada a educação no país ainda é muito ruim. O ensino fundamental deveria trabalhar nas crianças os valores de cidadania, que são cruciais para uma boa atuação em sociedade e para criar laços de amor pela nossa pátria”, argumenta Dimov.

Quem também defende a importância da educação no desenvolvimento do patriotismo é o tenente-coronel Ildefonso Bezerra Falcão Junior, comandante do 2º Batalhão de Polícia do Exército de São Paulo. O militar cita o exemplo das Forças Armadas no desenvolvimento do sentimento de patriotismo em seus soldados.

“O Exército é uma grande escola de cidadania. Aqui os jovens aprendem valores cívicos e morais, que fazem toda diferença para um bom convívio em sociedade. E levam isso para o resto de suas vidas”, afirma o coronel, que entende o civismo como um sentimento de amor à pátria e de respeito uns pelos outros que deve ser semeado desde a mais tenra idade.

Civismo saudável

Nos dias de hoje, o que seria então um bom, equilibrado e saudável patriotismo? Para a psicóloga social Nanci, necessariamente algo capaz de motivar sentimentos e atitudes de todo povo em decorrência não apenas de sua identificação com os tradicionais símbolos nacionais, mas de sua percepção, enquanto coletividade, que o país e seus governantes valorizam as pessoas, combatem a corrupção, promovem participação e inclusão de todos os nacionais no acesso às riquezas, no respeito à natureza e desenvolvimento econômico que resulta em ordem e progresso.

“É preciso promover um amplo projeto de desenvolvimento nacional. O verdadeiro patriotismo acontece quando não houver, por exemplo, crianças pedindo esmolas nas ruas”, resume a docente.

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Mario Mantovani

Patriotismo planetário

Não se pode perder de vista que as mudanças trazidas pela globalização também contribuem para a forma como hoje se pensa e pratica o patriotismo. “Em um mundo cada vez mais interligado econômica e culturalmente, a conscientização e os cuidados em relação à preservação dos recursos naturais têm força para despertar, em todo um povo, o sentimento de amor e responsabilidade por sua pátria”, afirma o ambientalista Mário Mantovani, da Fundação SOS Mata Atlântica. E conclui:

“Os governos e seus interesses menos nobres, os nacionalismos xenófobos, isso tudo cai por terra. O patriotismo ambiental é, sem dúvida, o caminho para superarmos todas as atuais barreiras e lacunas”.

Desconhecimento gera flagrante desrespeito

 

A bandeira brasileira foi instituída pelo Decreto n. 4, do governo provisório chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, em 1889. Sua criação é do professor Raimundo Teixeira Mendes.
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Raimundo Teixeira Mendes

Os 26 estados e o Distrito Federal estão representados nas estrelas, distribuídas em sua exata localização na esfera celeste, daí o circulo em azul. As cores verde e amarela, ao contrário do que o leigo pode imaginar, não representam nossa fartura de ouro, sol e florestas. São as cores dos brasões das casas reais de Bragança, da qual fazia parte o imperador Dom Pedro I, e dos Habsburg, à qual pertencia sua consorte, a imperatriz Dona Leopoldina.

Entre nós, 19 de novembro é o Dia da Bandeira, mas a data não é um feriado nacional festivo, como é o 7 de setembro. Só as Forças Armadas ainda seguem à risca o que determina a lei: no dia 19/11, a bandeira é hasteada ao meio dia, em solenidade especial. Nessa ocasião são incineradas as flâmulas consideradas inservíveis devido ao desgaste natural ou defeitos de fabricação, entregues por qualquer interessado na corporação (descartá-las no lixo é crime contra a pátria).

O que também pouca gente sabe: em dias normais, onde estiver exposta, a bandeira brasileira deve ser hasteada diariamente. Entre 8h e 18h é permitida sua exibição e, após esse período, deve ser recolhida. Em hipótese alguma a bandeira pode pegar chuva ou ficar em local desprotegido.

Coração e mente de um patriota

 

O senhor Gino Sttrufaldi, de 92 anos, lutou na Revolução Constitucionalista de 1932, movimento que se transformou em uma batalha sangrenta do povo paulista contra os desmandos de Getúlio Vargas (saiba mais na seção Um Ambiente Legal).

“Naquela época, as pessoas tinham orgulho do Brasil e davam a própria vida para proteger os interesses da sociedade. Nos dias atuais, esse patriotismo parece ter desaparecido”, lamenta o ex-combatente.

Ele recorda o hábito, especialmente entre crianças, que cantavam diariamente o hino nacional nas escolas onde estudavam. “Existia instrução de moral e cívica nos estabelecimentos de ensino. Era um aprendizado agradável e dava para cada um de nós a medida e importância do interesse comum. Durante a Revolução de 32, o povo paulista colaborou muito porque tinha a noção do que estava em jogo. Quem não se alistou, pedia para prestar serviços para o movimento. Eram barbeiros, enfermeiras e costureiras querendo nos ajudar de alguma forma”, lembra o veterano de invejável memória e lucidez.
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Ainda segundo o Sr. Gino, os combatentes de 32 eram vistos com grande simpatia pela população, pois todos estavam ligados por um forte sentimento de amor à pátria. “É por isso que, ainda hoje, nossa associação empenha-se em levar para as escolas e outras entidades essa conscientização cívica. Temos o compromisso de não deixar o sentimento de patriotismo morrer”, conclui.


Patriotismo: Identificação com a Pátria


“A identificação com os valores da pátria faz toda a diferença na formação do cidadão. Sem essa identificação o indivíduo não exerce sua cidadania sequer no seu lar, na sua rua, no seu bairro, na sua cidade, no seu estado, quanto mais na defesa do seu País.”  Assim relaciona o Advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, a cidadania com o sentimento de identificação do indivíduo com o meio em que vive.

Para o advogado e consultor ambiental, sem esse sentimento de pertencimento, não há como exercer o indivíduo a sua cidadania. ” Grande parte dos problemas relacionados à educação e ao civismo, está justamente na falta de ambientação dos jovens no bairro onde moram.  O avanço da conurbação urbana, desacompanhada de uma efetiva presença do governo na melhoria das condições de vida, da infraestrutura, da educação, da criação de espaços de lazer, arborização e segurança, faz com que imensos espaços sejam destinados à marginalidade, relegados a bairros-dormitórios, destinados ao desprezo dos próprios ocupantes. Pergunto, que sentimento podem estes nutrir pelo pedaço de chão em que vivem, se sequer onde moram se sentem queridos pelo Estado que os gerencia?”

De toda forma, alerta o advogado, “há que se resgatar o patriotismo a partir da educação básica, pois, se o governo nada entende desse assunto, hoje, a geração educada em meio a esses valores, poderá efetivamente mudar a situação e reivindicar, com amor à pátria, as mudanças necessárias, dignas de formarmos uma Nação.”

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