Publicado em Ambiente Legal Justiça e Política*
O orgulho pelos símbolos nacionais está cada dia mais em baixa no Brasil
Por Alexandre Fogaça e Soraia Sene
O que é um patriota?
O patriota é aquele que ama seu país e procura servi-lo da melhor foram
possível, mas cuidado com idéias ultrapassadas, que podem invadir sua mente
neste exato momento. Na acepção contemporânea, esse cidadão é um ser pensante,
não se submete a toscos fanatismos e está disposto a participar de mudanças que
conduzam, de fato, a comunidade onde vive para um patamar de vida melhor.
Nesse contexto, os símbolos nacionais de um país e seu significado
histórico, especialmente a bandeira nacional e o hino que lhe corresponde, não
são coisa do passado. Ao contrário, revelam muito da educação e do que vai na
mente e coração de um povo e de sua capacidade, como nação, de trilhar um
destino comum. O lema “ordem e progresso”, estampado em nossa bandeira,
considerada uma das mais belas do mundo, evidencia o valor e o objetivo que os
brasileiros abraçam com prioridade. Mas uma coisa é a teoria, outra, a prática.
Basicamente, só em temporada de Copa do Mundo o orgulho de exibir o
verde-azul-amarelo vivos de nossa flâmula ganha os corpos, as mentes e os corações
da brava gente brasileira.
Há, ainda, outras pedras nesse caminho: a letra do hino nacional é conhecida
e cantada corretamente por pequena parcela da população. O governo também
aboliu do calendário nacional a data comemorativa do Dia da Bandeira (leia
quadro nesta matéria) e nas escolas, do ensino fundamental ao superior, ninguém
mais fala do significado e importância dos símbolos nacionais. Há repartições
públicas que nem mesmo hasteam a bandeira nacional e outras instituições
privadas que o fazem, mas às vezes exibem, de forma inconsciente, mas
desrespeitosa, bandeiras desbotadas pela ação do tempo.
“O orgulho nacional é para os países o que a auto-estima é para os
indivíduos: uma condição necessária para o aperfeiçoamento. O patriotismo é uma
forma de orientação política”, afirma o filósofo norte-americano Richard Rorty,
professor de literatura comparada e filosofia da Universidade de Stanford e
autor de vários livros – o mais recente deles, lançado no Brasil, é Ensaios
Pragmatistas, publicado pela DP&A Editora.
Por aqui, os estudiosos do fenômeno são unânimes: o sentimento patriótico
está em extinção no Brasil. E isso não é bom, pois sinaliza uma série de
problemas.
Confusão com a ditadura
Para o jornalista e historiador Heródoto Barbeiro, da Rádio CBN e TV Cultura
de São Paulo, circunstâncias históricas fragilizaram o sentimento patriótico em
nosso país.“A ditadura militar se apropriou dos símbolos nacionais. Então, a
oposição e quem era contra a ditadura rechaçaram completamente essas demonstrações
cívicas”, explica Barbeiro.
Perspectiva semelhante é da psicóloga social Nanci Gomes, da Universidade
Metodista de São Paulo.
“Após a ditadura militar, ocorreu em nossa sociedade um movimento para
abolir a expressão do nacionalismo e desvincular os símbolos nacionais do
exercício da cidadania”, afirma Nanci.
O procurador de Justiça, Roberto Liviano, membro do Movimento do Ministério
Público Democrático e secretário geral da Federação de Associações e Juízes
para a Democracia da América Latina e Caribe, diz que a ausência de patriotismo
é um fenômeno que vai além de nossas fronteiras e tem a ver com a febre do
individualismo. “As pessoas deixaram de colocar o interesse coletivo como
prioridade, fazendo prevalecer os interesses individuais”, aponta o procurador.
Educação
Um dos aspectos mais destacados pelos entrevistados foi a importância da
educação no desenvolvimento de um genuíno comportamento cívico. Vale lembrar
que, até meados da década dos 80, os então chamados cursos primário e
secundário (atuais fundamental e médio) e até superior, de instituições de
ensino público ou privado, tinham na grade curricular disciplinas como Educação
Moral e Cívica ou Organização Social e Política Brasileira, cujo objetivo era
promover o conhecimento e sentimento de patriotismo nos alunos desde tenra
idade. Taxativo, o jornalista Heródoto Barbeiro diz que ressuscitar essas
matérias não surtiria o efeito desejado.
“É hora de entendermos a expressão patriotismo sob o olhar da cidadania, e
não de uma classe social, que se apropria disso e aqueles que forem contrários
à sua perspectiva são tidos como anti-nacionalistas, anti-brasileiros e por aí
afora”, comenta Heródoto.
“Se hoje estamos falando sobre a falta de patriotismo do povo brasileiro é
porque essas aulas não deram certo. Esse não é o caminho. O patriotismo não é
para ser imposto, mas sim conquistado pelas pessoas por meio de acesso a
educação de boa qualidade, emprego, vida digna”, aponta o jornalista,
enfatizando que é preciso manter essa questão longe do uso político.
Outra opinião tem o governador do Distrito LC2 do Lions Clube de São Paulo,
Frederico Dimov Júnior, para quem não se pode dissociar o processo educacional
do sentimento de patriotismo.
“A forma como é tratada a educação no país ainda é muito ruim. O ensino
fundamental deveria trabalhar nas crianças os valores de cidadania, que são
cruciais para uma boa atuação em sociedade e para criar laços de amor pela
nossa pátria”, argumenta Dimov.
Quem também defende a importância da educação no desenvolvimento do
patriotismo é o tenente-coronel Ildefonso Bezerra Falcão Junior, comandante do
2º Batalhão de Polícia do Exército de São Paulo. O militar cita o exemplo das
Forças Armadas no desenvolvimento do sentimento de patriotismo em seus
soldados.
“O Exército é uma grande escola de cidadania. Aqui os jovens aprendem
valores cívicos e morais, que fazem toda diferença para um bom convívio em sociedade. E levam
isso para o resto de suas vidas”, afirma o coronel, que entende o civismo como
um sentimento de amor à pátria e de respeito uns pelos outros que deve ser
semeado desde a mais tenra idade.
Civismo saudável
Nos dias de hoje, o que seria então um bom, equilibrado e saudável
patriotismo? Para a psicóloga social Nanci, necessariamente algo capaz de motivar
sentimentos e atitudes de todo povo em decorrência não apenas de sua
identificação com os tradicionais símbolos nacionais, mas de sua percepção,
enquanto coletividade, que o país e seus governantes valorizam as pessoas,
combatem a corrupção, promovem participação e inclusão de todos os nacionais no
acesso às riquezas, no respeito à natureza e desenvolvimento econômico que
resulta em ordem e progresso.
“É preciso promover um amplo projeto de desenvolvimento nacional. O
verdadeiro patriotismo acontece quando não houver, por exemplo, crianças
pedindo esmolas nas ruas”, resume a docente.
Patriotismo planetário
Não se pode perder de vista que as mudanças trazidas pela globalização
também contribuem para a forma como hoje se pensa e pratica o patriotismo. “Em
um mundo cada vez mais interligado econômica e culturalmente, a conscientização
e os cuidados em relação à preservação dos recursos naturais têm força para
despertar, em todo um povo, o sentimento de amor e responsabilidade por sua
pátria”, afirma o ambientalista Mário Mantovani, da Fundação SOS Mata
Atlântica. E conclui:
“Os governos e seus interesses menos nobres, os nacionalismos xenófobos,
isso tudo cai por terra. O patriotismo ambiental é, sem dúvida, o caminho para
superarmos todas as atuais barreiras e lacunas”.
Desconhecimento gera flagrante desrespeito
A bandeira brasileira foi instituída pelo Decreto n. 4, do governo
provisório chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, em 1889. Sua criação é do
professor Raimundo Teixeira Mendes.
Os 26 estados e o Distrito Federal estão representados nas estrelas, distribuídas
em sua exata localização na esfera celeste, daí o circulo em azul. As cores verde e
amarela, ao contrário do que o leigo pode imaginar, não representam nossa
fartura de ouro, sol e florestas. São as cores dos brasões das casas reais de
Bragança, da qual fazia parte o imperador Dom Pedro I, e dos Habsburg, à qual
pertencia sua consorte, a imperatriz Dona Leopoldina.
Entre nós, 19 de novembro é o Dia da Bandeira, mas a data não é um feriado
nacional festivo, como é o 7 de setembro. Só as Forças Armadas ainda seguem à
risca o que determina a lei: no dia 19/11, a bandeira é hasteada ao meio dia,
em solenidade especial. Nessa ocasião são incineradas as flâmulas consideradas
inservíveis devido ao desgaste natural ou defeitos de fabricação, entregues por
qualquer interessado na corporação (descartá-las no lixo é crime contra a
pátria).
O que também pouca gente sabe: em dias normais, onde estiver exposta, a
bandeira brasileira deve ser hasteada diariamente. Entre 8h e 18h é permitida
sua exibição e, após esse período, deve ser recolhida. Em hipótese alguma a
bandeira pode pegar chuva ou ficar em local desprotegido.
Coração e mente de um patriota
O senhor Gino Sttrufaldi, de 92 anos, lutou na Revolução Constitucionalista
de 1932, movimento que se transformou em uma batalha sangrenta do povo paulista
contra os desmandos de Getúlio Vargas (saiba mais na seção Um Ambiente Legal).
“Naquela época, as pessoas tinham orgulho do Brasil e davam a própria vida
para proteger os interesses da sociedade. Nos dias atuais, esse patriotismo
parece ter desaparecido”, lamenta o ex-combatente.
Ele recorda o hábito, especialmente entre crianças, que cantavam diariamente
o hino nacional nas escolas onde estudavam. “Existia instrução de moral e
cívica nos estabelecimentos de ensino. Era um aprendizado agradável e dava para
cada um de nós a medida e importância do interesse comum. Durante a Revolução
de 32, o povo paulista colaborou muito porque tinha a noção do que estava em jogo. Quem não se
alistou, pedia para prestar serviços para o movimento. Eram barbeiros,
enfermeiras e costureiras querendo nos ajudar de alguma forma”, lembra o
veterano de invejável memória e lucidez.
Ainda segundo o Sr. Gino, os combatentes de 32 eram vistos com grande
simpatia pela população, pois todos estavam ligados por um forte sentimento de
amor à pátria. “É por isso que, ainda hoje, nossa associação empenha-se em
levar para as escolas e outras entidades essa conscientização cívica. Temos o
compromisso de não deixar o sentimento de patriotismo morrer”, conclui.
Patriotismo: Identificação com a Pátria
“A identificação com os valores da pátria faz toda a diferença na formação
do cidadão. Sem essa identificação o indivíduo não exerce sua cidadania sequer
no seu lar, na sua rua, no seu bairro, na sua cidade, no seu estado, quanto
mais na defesa do seu País.” Assim relaciona o Advogado Antonio Fernando
Pinheiro Pedro, a cidadania com o sentimento de identificação do indivíduo com
o meio em que vive.
Para o advogado e consultor ambiental, sem esse sentimento de pertencimento,
não há como exercer o indivíduo a sua cidadania. ” Grande parte dos problemas
relacionados à educação e ao civismo, está justamente na falta de ambientação
dos jovens no bairro onde moram. O avanço da conurbação urbana,
desacompanhada de uma efetiva presença do governo na melhoria das condições de
vida, da infraestrutura, da educação, da criação de espaços de lazer,
arborização e segurança, faz com que imensos espaços sejam destinados à
marginalidade, relegados a bairros-dormitórios, destinados ao desprezo dos
próprios ocupantes. Pergunto, que sentimento podem estes nutrir pelo pedaço de
chão em que vivem, se sequer onde moram se sentem queridos pelo Estado que os
gerencia?”
De toda forma, alerta o advogado, “há que se resgatar o patriotismo a partir
da educação básica, pois, se o governo nada entende desse assunto, hoje, a
geração educada em meio a esses valores, poderá efetivamente mudar a situação e
reivindicar, com amor à pátria, as mudanças necessárias, dignas de formarmos
uma Nação.”
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