Onze das 12 entidades com projetos aprovados pelo Ministério das Cidades são dirigidas por filiados ao PT; quem marca presença em protestos e até ocupações ganha prioridade na fila da casa própria em São Paulo
Adriana Ferraz e Diego Zanchetta, O Estado de S.Paulo
Líderes comunitários filiados ao PT usam critérios
políticos para gerir a maior parte dos R$ 238,2 milhões repassados pelo
programa Minha Casa Minha Vida Entidades para a construção de casas
populares na capital. Onze das 12 entidades que tiveram projetos
aprovados pelo Ministério das Cidades são dirigidas por filiados ao
partido. Suas associações privilegiam quem participa de atos e
manifestações de sem-teto ao distribuir moradias, em vez de priorizar a
renda na escolha. Entre gestores dos recursos, há funcionários da gestão
de Fernando Haddad (PT), candidatos a cargos públicos pela sigla e até
uma militante morta há dois anos.
A partir de repasses diretos, as associações selecionadas pelo
governo federal escolhem quem vai sair da fila da habitação em São
Paulo. Os critérios não seguem apenas padrões de renda, mas de
participação política. Quem marca presença em eventos públicos, como
protestos e até ocupações, soma pontos e tem mais chance de receber a
casa própria.
Para receber o imóvel, os associados ainda precisam seguir
regras adicionais às estabelecidas pelo programa federal, que prevê
renda familiar máxima de R$ 1,6 mil, e prioridade a moradores de áreas
de risco ou com deficiência física. A primeira exigência das entidades é
o pagamento de mensalidade, além de taxa de adesão, que funciona como
uma matrícula. Para entrar nos grupos, o passe vale até R$ 50.
Quem paga em dia e frequenta reuniões, assembleias e os
eventos agendados pelas entidades soma pontos e sai na frente. O
sistema, no entanto, fere o princípio da isonomia, segundo o advogado
Márcio Cammarosano, professor de Direito Público da PUC-SP. “Na minha
avaliação, esse modelo de pontos ainda me parece inconstitucional, além
de escandaloso e absolutamente descabido. Ele exclui as pessoas mais
humildes, que não têm condições de pagar qualquer taxa ou mesmo de
frequentar atos públicos”, afirma.
50 mil pessoas.
Os empreendimentos são
projetados e construídos pelas associações, que hoje reúnem uma multidão
de associados. São mais de 50 mil pessoas engajadas na luta pelo
direito à moradia. Além das entidades dos petistas, há ainda uma outra
dirigida por um filiado ao PCdoB.
A força política dos movimentos de moradia, que só neste ano
comandaram mais de 50 invasões na cidade, pressionam não só o governo
federal, mas a Prefeitura. Em agosto, Haddad publicou um decreto no qual
se comprometeu a permitir que entidades possam indicar parte das
famílias que serão contempladas com moradias em sua gestão. A promessa
de campanha é entregar 55 mil até 2016 – as lideranças querem opinar
sobre 20 mil desse pacote.
O cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, ainda
alerta para o um efeito colateral do esquema implementado na capital
pelas entidades, que é a cooptação política dos associados, com fins
eleitorais.
“O governo deve imediatamente intervir nesse processo e
rediscutir as regras. Isso remete ao coronelismo. Além disso, a busca
pela casa própria não pode ser um jogo, onde quem tem mais pontos
ganha.”
Quem é quem.
A maior parte das entidades é
comandada por lideranças do PT com histórico de mais 20 anos de atuação
na causa. É o caso de Vera Eunice Rodrigues, que ganhou cargo
comissionado na Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab) após
receber 20.190 votos nas últimas eleições para vereador pelo partido.
Verinha, como é conhecida, era presidente da Associação dos
Trabalhadores Sem Teto da Zona Noroeste até março deste ano – em seu
lugar entrou o também petista José de Abraão. A entidade soma 7 mil
sócios e teve aval do Ministério das Cidades para comandar um repasse de
R$ 21,8 milhões. A verba será usada para construir um dos três lotes do
Conjunto Habitacional Alexius Jafet, que terá 1.104 unidades na zona
norte.
No ano passado, Verinha esteve à frente de invasões ocorridas
em outubro em prédios da região central, ainda durante a gestão de
Gilberto Kassab (PSD), e em pleno período eleitoral. Em abril, foi para o
governo Haddad, com salário de R$ 5.516,55. A Prefeitura afirma que ela
está desvinculada do movimento e foi indicada por causa de sua
experiência no setor.
Outra entidade com projeto aprovado – no valor de R$ 14
milhões –, o Movimento de Moradia do Centro (MMC), tem como gestor Luiz
Gonzaga da Silva, o Gegê, filiado ao PT há mais de 30 anos e atual
candidato a presidente do diretório do centro. Com um discurso de
críticas à gestão Kassab e de elogios a Haddad, ele também nega uso
político da entidade. “Qualquer um pode se filiar a nós e conseguir
moradia. Esse é o melhor programa já feito no mundo”, diz sobre o Minha
Casa Minha Vida Entidades.
Ministério diz que desconhece esquema de pontuação.
O
Ministério das Cidades afirmou desconhecer que a presença em atos
públicos, como protestos e ocupações, renda pontos às pessoas que lutam
por uma moradia na capital. A pasta informou apenas que as entidades
podem criar regras adicionais às estabelecidas pelo Minha Casa Minha
Vida, sem a necessidade de aprová-las no governo.
Da mesma forma, o ministério disse que não pode interferir em
regras internas dos movimentos de moradia e, por isso, não tem como
impedir a cobrança de taxas e mensalidades.
O ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro (PP), não quis dar
entrevista. Por meio de nota, sua assessoria ressaltou que as entidades
não são selecionadas, mas habilitadas a receber verba mediante o
cumprimento de uma série de atribuições, como dar apoio às famílias no
desenvolvimento dos projetos, assim como na obtenção da documentação
necessária. O processo não segue, segundo a pasta, critérios políticos.
Além disso, as associações devem se submeter a uma prestação de contas,
feita pela Caixa Econômica Federal, que financia as unidades.
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