A um ano de enfrentar as urnas, qualquer presidente brasileiro pensaria
duas vezes antes de embarcar para os Estados Unidos em meio a um
escândalo de espionagem.
Para Dilma, os benefícios da visita seriam parcos, pois a cesta de produtos negociados até ontem era bem frustrante.
Os riscos de viajar, no entanto, são vastos. Ela poderia ser humilhada
por novas revelações, especialmente a respeito da gestão da Petrobras. E
as oposições poderiam usar sua foto com Obama como bazuca.
Quais os custos de ficar em casa?
Do ponto de vista prático, muito poucos. O leilão do pré-sal avança. Um
pernoite na Casa Branca não reverteria o clima de hesitação entre
investidores estrangeiros.
Há, sem dúvida, custos intangíveis. Afinal, ganham força aqueles que, no
governo americano, enxergam o Brasil como "país-problema".
Idem para quem vê o Brasil como fraco. Até ontem à noite, diplomatas em
Londres e Berlim diziam que o cancelamento não é dignidade altiva, mas
medo de ir para a briga na hora do aperto.
*
O que seria ir para a briga? Passei os últimos dias perguntando isso a
gente no governo, na imprensa e no setor privado norte-americano.
Em um cenário hipotético, Dilma faria a visita. Ela denunciaria a
espionagem nos jardins da Casa Branca e anunciaria um grupo de trabalho
bilateral para limitar o estrago e restringir a bisbilhotice futura.
Ela aproveitaria os holofotes para emplacar a capa de uma revista
semanal de alcance global, na qual apresentaria a proposta brasileira de
novas regras multilaterais para uma internet livre, a grande briga de
foice que vem aí.
Dilma levaria na comitiva Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de
Relações Exteriores do Senado. Ele faria barulho junto ao principal
aliado brasileiro na questão: o possante grupo de senadores
norte-americanos que rejeita a violação de privacidade e agora prepara
uma ofensiva parlamentar.
*
Mas o mundo é real, e o cancelamento é plenamente justificado. Restam duas prioridades imediatas.
A primeira é o discurso da semana que vem na Assembleia Geral da ONU.
Precisa ser uma paulada forte, mas apresentada em termos universais. Em
anos anteriores, os textos de Dilma na ONU foram inócuos e maçantes.
Desta vez, não dá.
O segundo desafio é impedir que a relação com os Estados Unidos chafurde
na lama. Não há clima para grandes gestos neste ano. Mas a hora de
preparar o terreno é agora, aproveitando a chapa quente.
*
Funcionário do governo americano me disse que "a bravata brasileira
sobre a espionagem é pirotecnia pura". "Espera aí", respondi confuso.
"Se vocês acham isso mesmo, estão mal informados."
Meu interlocutor reclinou-se na poltrona lentamente e abriu o sorriso reservado aos idiotas.
"Se fosse para valer", explicou com calma, "ministros e diplomatas em
Brasília já teriam deixado de tratar de seus negócios oficiais por Gmail
e WhatsApp."
Matias Spektor ensina relações internacionais na FGV. É autor
de "Kissinger e o Brasil". Trabalhou para as Nações Unidas antes de
completar seu doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Foi
pesquisador visitante no Council on Foreign Relations, em Washington, e
em King's College, Londres. Escreve às quartas, a cada duas semanas, em
"Mundo".
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