Fernando Carneiro | UNB
Em 2008, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o posto de
maior mercado mundial de agrotóxicos. Enquanto nos últimos dez anos o
mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o mercado brasileiro cresceu
190%. As maiores concentrações de utilização de agrotóxicos no Brasil
coincidem com as regiões de maior presença de monoculturas como a da
soja, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE de 2006. O processo
produtivo agrícola brasileiro está cada vez mais dependente dos
agrotóxicos e fertilizantes químicos. Qual a relação desse quadro para a
saúde da população brasileira?
O Ministério da Saúde estima que, no Brasil, anualmente, existam mais
de 400 mil pessoas contaminadas por agrotóxicos, com cerca de quatro
mil mortes por ano. O número de casos notiï¬Âcados relacionados à
intoxicação por agrotóxicos aumentou durante o período de 2.071 (2007)
para 3.466 (2011), um aumento de 67,3%.
Segundo a OMS, na maioria das situações, a identificação de pessoas
intoxicadas pelos serviços de saúde é muito precária, estimando-se que
para cada caso notiï¬Âcado, outros 50 não o foram. Isso signiï¬Âca que
estão provavelmente ocultos outros 300 mil casos de intoxicações, que
não são identiï¬Âcados por diversos fatores, que vão desde a falta de
acesso aos serviços de saúde pela população do campo, passam pelas
diï¬Âculdades enfrentadas pelos médicos em identiï¬Âcar esse tipo de
intoxicação, pela falta de preenchimento adequado das ï¬Âchas, até o
medo dos proï¬Âssionais de saúde em assumir tal notiï¬Âcação, haja
vista o poder do agronegócio nesses territórios.
A contaminação por agrotóxicos ocorre não apenas de forma direta e
violenta, como no caso da pulverização de uma escola em Rio Verde-GO,
mas principalmente de maneira invisível, por meio de resíduos presentes
na água de abastecimento, em rios, lençóis freáticos e águas
subterrâneas, em alimentos contaminados e em todo o ambiente. É o que
demonstra, a cada ano, a divulgação dos resultados de monitoramentos da
presença de agrotóxicos, como o Programa de Análise de Resíduos de
Agrotóxicos em Alimentos (PARA) coordenado pela Anvisa.
Os resultados do PARA, no final de outubro de 2013, revelaram que 36%
das amostras de frutas, verduras, legumes e cereais analisados
apresentaram resultados insatisfatórios. Ou seja, os brasileiros(as)
estão se alimentando de produtos que contêm agrotóxicos não autorizados e
alimentos com resíduos de agrotóxicos acima do limite permitido para
uma ingestão diária.
Na última divulgação do PARA, a média havia sido de 28%, ou seja,
aumentou em 8% a contaminação de alimentos por agrotóxicos no Brasil,
nos últimos anos, seguindo a tendência do aumento do consumo, das
intoxicações e mortes. Ao avaliarmos os produtos encontrados, alguns
nunca tiveram registro no Brasil e outros são proibidos em função de
características carcinogênicas e teratogênicas.
Frente a esse contexto, a população brasileira foi surpreendida com a
publicação da Lei 12.873/13, de 24 de outubro de 2013, e do Decreto
8.133, de 28 de outubro de 2013, ao possibilitar a introdução, no País,
de agrotóxicos sem as devidas avaliações de risco/perigo ao ambiente, à
alimentação e à saúde. A anuência de importação, produção,
comercialização e uso serão concedidas pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) sem as avaliações prévias dos órgãos com
expertise nas áreas da saúde e do meio ambiente, desde que identificada
a situação de emergência fitossanitária ou zoosanitária pelo
ministério.
Essa lei levou menos de um mês para tramitar na Câmara dos Deputados,
Senado Federal e ter a sanção da Presidência da República. A Abrasco,
como a maior associação científica do campo da Saúde Pública na América
Latina, elaborou o Dossiê Abrasco – um alerta sobre os impactos dos
agrotóxicos na saúde (disponível no nosso site: www.abrasco.org.br) para
reunir as evidências científicas sobre o risco que toda a população
brasileira está correndo frente a essas medidas que intensificam o uso e
a exposição a agrotóxicos no país.
As futuras gerações irão cobrar dos governantes de hoje e da
sociedade brasileira as responsabilidades sobre um verdadeiro genocídio
que está se configurando no Brasil cujos danos à saúde e ao ambiente
poderão durar décadas. Em defesa da saúde pública e para cumprir o seu
papel de alertar e proteger a saúde, a Abrasco protocolou uma ação no MP
visando suspender essa nova lei por considerar que ela vai contra os
princípios constitucionais de proteção à saúde e ao meio ambiente. A
Abrasco conclama a sociedade brasileira a participar dessa luta e
construir debates sobre alternativas ao atual modelo produtivo como a
estratégia da Agroecologia, que promove saúde e justiça socioambiental.
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