Germano Lüders / EXAME
O jurista Daniel Vargas: propostas com “custo zero” para estimular o empreendedorismo
Renata Vieira, de Revista EXAME
São Paulo — Desde janeiro, quando assumiu o posto de subsecretário de
ações estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República, o mineiro Daniel Vargas dedica-se a uma peregrinação bem
longe de Brasília.
Ao longo dos últimos meses, ele e sua equipe ouviram dezenas de
empresários, entre eles Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, e
Pedro Passos, acionista da fabricante de cosméticos Natura, além de empreendedores e pesquisadores, para entender os entraves ao empreendedorismo e à inovação no Brasil.
Com o apoio do ministro da pasta, Roberto Mangabeira Unger, ele elaborou
um documento com 270 páginas para defender reformas sobre o que chama
de empreendedorismo
vanguardista. Na visão de Vargas, doutor em direito pela Universidade
Harvard, nos Estados Unidos, o caminho para o crescimento econômico está
no fim dos entraves ao capital de risco e ao desenvolvimento de
empresas de ponta. Vargas deu a seguinte entrevista a EXAME.
EXAME - O senhor ajudou a elaborar um documento de 270 páginas
com propostas em defesa do empreendedorismo no Brasil. Qual é a tese
principal?
Daniel Vargas - Chegamos ao fim de um ciclo. Até agora,
o Brasil se desenvolveu a partir da popularização do consumo interno e
da produção e exportação de commodities. Mas os limites desse modelo estão explícitos. As famílias estão endividadas e o preço das commodities vem caindo.
Além disso, vemos que o país sofre de um “primitivismo produtivo”. As
pequenas empresas oscilam entre a informalidade e a ilegalidade. Já as
grandes, mesmo quando desenvolvem tecnologia de ponta, o fazem num
espectro mais limitado. E as empresas médias, que poderiam formar um
grupo de vanguarda tecnológica, são poucas e raras.
Nesse ambiente, não é surpreendente que a economia tenha dificuldade de
crescer. A saída é criar uma política industrial que coloque o
empreendedorismo e a inovação como metas centrais. E é isso que está
detalhado nessa proposta.
EXAME - Falta uma cultura de empreendedorismo no Brasil?
Daniel Vargas - Há uma corrente empreendedora de alto
impacto formada por pequenas e médias empresas de ponta, com práticas
gerenciais sofisticadas. Elas têm altíssima taxa de crescimento e
servem de referência para a juventude brasileira disposta a empreender. O
que falta é a economia abraçar a inovação.
Empreendedorismo e inovação nunca foram tratados como pontos centrais e
decisivos no Brasil, mas, sim, como uma espécie de luxo de grandes
empresas ou um hobby da juventude. Os dois temas deveriam ser vistos
como motores do crescimento econômico. Não adianta ter uma juventude
disposta a empreender e sem acesso a crédito ou a novas tecnologias. É a
combinação disso tudo que fertiliza o empreendedorismo de vanguarda.
EXAME - Os incentivos fiscais existentes para pequenas empresas não são suficientes?
Daniel Vargas - No Brasil, as empresas médias são o elo
frágil da cadeia empresarial. Vivem em um limbo de políticas
construídas ao longo do tempo para atender aos dois extremos do
empresariado. De um lado, há políticas de apoio aos
microempreendedores, como o Simples, e ofertas de microcrédito ao
empreendedor do Banco do Nordeste e do Banco do Brasil.
De outro lado, estão os mecanismos de apoio aos grandes empresários,
como crédito subsidiado e políticas de proteção comercial e de apoio à
exportação. Permitir o acesso das empresas médias a benefícios como
esses é fundamental.
EXAME - De que maneira o Estado pode influenciar a ampliação dessa oferta de recursos para empreendedores?
Daniel Vargas - Com frequência, o investidor de risco
no Brasil é tratado como gestor e responsabilizado para além do capital
que investiu. É preciso limitar essa responsabilidade para que valha a
pena colocar dinheiro em negócios de risco. O caso mais dramático é do
investidor-anjo, que investe parte de seus recursos num novo negócio
promissor.
Se esse negócio dá errado por alguma razão — e a falha faz parte de um
ambiente empreendedor —, a Justiça pode penhorar os bens de outras
empresas desse investidor para arcar com as eventuais dívidas
trabalhistas do negócio frustrado.
Numa sociedade pautada pela cultura da inovação, o critério decisivo de
organização das relações sociais e econômicas não é evitar erros nem
punir o risco, mas domesticar consequências e gerenciar efeitos. Quando
punimos radicalmente qualquer fracasso, criamos um obstáculo.
EXAME - Na ponta do acesso à tecnologia para empreendedores, qual deveria ser o papel das universidades?
Daniel Vargas - Não temos nenhuma universidade de porte
mundial — o que é surpreendente, considerando o tamanho da nossa
economia. Isso se deve ao nosso regime de regras uniformes que impedem
que cada universidade construa uma vocação de excelência própria. São
todas cópias mal-acabadas umas das outras.
Além disso, boa parte do meio acadêmico ainda enxerga tudo que vem do
mercado como uma zona nuclear contaminada, da qual se deve manter toda
distância. Não propomos que as universidades abram mão de autonomia
intelectual e capacidade de gerar conhecimento que não tenha relação com
as demandas do mercado, mas não dá para virar as costas para os
desafios tecnológicos da indústria.
Um caminho é instituir aqui a figura do endowment, fundo de
financiamento universitário, muito comum nos Estados Unidos. Ele é uma
das vias de mudança: um recurso alternativo para financiar projetos sem a
dependência do financiamento público convencional.
EXAME - Embora haja resistência no meio acadêmico, existem exceções?
Daniel Vargas - Ainda prevalece uma cultura
academicista. Percebemos, porém, uma abertura em alguns centros
universitários que hoje se destacam por produzir tecnologia de ponta.
Alguns deles têm interesse em ampliar o diálogo com o mercado, como é o
caso da Universidade de Campinas, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e da Universidade Federal de Minas Gerais, as mais avançadas
nesse sentido.
Temos conversado com reitores e professores e, apesar do ambiente geral
ser um pouco mais resistente, há uma onda crescente de apoio a
iniciativas que engajem mercado e universidades em busca de inovação.
EXAME - Quais exemplos no exterior são uma referência na construção de políticas de incentivo ao empreendedorismo?
Daniel Vargas - O Estado pode não somente facilitar as
regras para que o empreendedorismo cresça como também pode se tornar um
agente empreendedor por meio de seu regime de compras. Nos Estados
Unidos, já há sistemas de editais que permitem que os ministérios atuem
como empreendedores públicos. É um sistema de licitações que permite ao
Estado comprar o que ainda não existe.
Em vez de definir de antemão as características do produto ou serviço
nos editais de licitação, poderíamos definir os desafios a ser
resolvidos, de modo a direcionar a criatividade do mercado e da
sociedade civil. É isso que queremos viabilizar por lei.
No Brasil, os desafios poderiam ser inúmeros. Como propiciar educação de
qualidade no interior da Amazônia? Como desenvolver um método de
assistência de saúde para idosos? Vários países do mundo estão
caminhando nessa direção.
EXAME - Seus antecessores defenderam bandeiras como a da
educação de base, com poucos resultados práticos. Quais são as chances
de avançar nesse caso?
Daniel Vargas - Dependemos, claro, de o Congresso
Nacional colocar o assunto em pauta. Todas as mudanças na legislação
necessárias para facilitar o empreendedorismo e a inovação no país estão
em nosso documento. Não temos todas as respostas para os problemas do
país, mas apresentamos soluções institucionais com praticamente custo
zero que permitiriam gerar mudanças significativas.
EXAME - Há espaço para uma discussão como essa num momento de instabilidade política e econômica?
Daniel Vargas - Se, por um lado, existem obstáculos
radicais, por outro, nesses momentos surge a oportunidade de mudar.
Precisamos de reformas profundas. O ajuste fiscal é uma preliminar
necessária e importante, mas não um fim em si mesmo. Precisamos escolher
se seremos uma economia altamente dependente da exportação de soja e
minério de ferro, por exemplo, ou se vamos buscar uma saída pela
inovação e pelo empreendedorismo.
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