O déficit comercial no primeiro trimestre preocupa empresários que esperam mais apoio do governo para vender o Brasil no Exterior. Uma tarefa para a presidenta ou para o ex-presidente
Por Carla JIMENEZ, Denize BACCOCCINA e Luís Artur NOGUEIRA
O resultado da balança comercial do primeiro trimestre deste
ano mostra que a crise global de 2009 continua cobrando a sua fatura.
Nos primeiros três meses do ano, o País registrou um déficit de US$ 5,15
bilhões, embora tenha alcançado um pequeno saldo de US$ 164 milhões no
mês de março, segundo informações divulgadas na segunda-feira 1º, pelo
Ministério do Desenvolvimento. Somem-se aí o fato de que nos últimos
meses as importações aumentaram e os preços das commodities recuaram. O
problema não é exclusivo do Brasil. A solução para lidar com ele,
entretanto, começa a ser questionada por alguns empresários. Não valeria
adotar a velha máxima de que a melhor estratégia de defesa é o ataque?
Promoção comercial: Da esquerda para a direita, a presidenta Dilma Rousseff e os presidentes
da Embraer, Frederico Curado, da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, da Vale, Murilo Ferreira,
e da Odebrecht, Marcelo Odebrecht. Ações combinadas entre governo e empresários
aumentaram as exportações e a internacionalização de empresas nacionais
Essa, pelo menos, tem sido a postura adotada pelos países afetados
pela crise de 2009: aumentaram o número de missões empresariais e de
visitas a mercados que podem se tornar parceiros, inclusive com a
atuação direta de seus chefes de Estado. “As empresas americanas querem
ajudar o Brasil a construir e preparar o Rio de Janeiro para o sucesso
olímpico”, disse o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em
discurso no Teatro Municipal do Rio, quando visitou o Brasil, em março
de 2011. Em junho do ano passado, o rei espanhol, Juan Carlos, veio ao
País acompanhado por 13 presidentes de empresas espanholas, para fazer a
corte à presidenta Dilma, em nome das relações diplomáticas – e
comerciais – entre os dois países.
Para Gilberto Lima, da consultoria Going Global, de Brasília, o
papel de um chefe de Estado é crucial para fazer negócios mundo afora.
“A promoção das marcas no Exterior é uma política pública”, diz Lima,
que coordenou a internacionalização de empresas brasileiras na Agência
Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), entre 2008
e 2011. Para os empresários, por sua vez, os eventos promovidos
pelo governo são a vitrine perfeita para fechar bons negócios
internacionais. “Visitas presidenciais, seguidas de missões
empresariais, são sempre complementares”, diz Luiz Antonio Mameri, presidente da Odebrecht América Latina.
O rei espanhol, Juan Carlos, e a presidenta Dilma, em junho do ano passado.
O monarca trouxe 13 empresários ibéricos em sua visita ao Brasil
“Um presidente da República vender o País é mais do que legítimo,
todos os países fazem isso”, completa. Exemplos que ilustrem essa
afirmação não faltam. O ministro do Desenvolvimento durante o governo
Lula, Miguel Jorge, lembra de uma história que ouviu do então presidente
Itamar Franco, em 1993. Naquela época, o Brasil buscava parceiros para o
Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que iria monitorar a
Floresta Amazônica. O projeto despertou interesses de diversos países.
“O então presidente americano Bill Clinton ligou três vezes para Itamar
para que ele considerasse as empresas americanas e ‘garantisse o emprego
de 30 mil americanos’”, diz Jorge, lembrando o relato do presidente
mineiro.
O Sivam só sairia em 1995 no governo do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso. A empresa vencedora foi a americana Raytheon, que atua
em parceria com as brasileiras Atech e Embraer. Outro projeto
estratégico brasileiro que é alvo de cobiça explícita de chefes de
Estado é a compra de caças para as Forças Armadas, em estudo há mais de
uma década. Suécia, Estados Unidos e França estão na disputa, por meio
das empresas Saab, Boeing e Dassault, respectivamente. Pois as
empresas já foram defendidas pelos líderes de cada país, sem medo de
fazer papel de caixeiros-viajantes, nas visitas que fizeram nos últimos
anos ao País.
“Todas as autoridades americanas que vieram ao Brasil nos últimos
dez anos tocaram no assunto”, diz Rubens Gama, diretor do departamento
de promoção comercial e investimentos do Itamaraty. Até o momento,
entretanto, o lobby não vingou para nenhum lado – as negociações para a
compra dos caças estão paradas. Mas, se um chefe de Estado tem
legitimidade para vender o Brasil, um ex-presidente da República, como
Lula, também tem? Executivos e especialistas ouvidos pela DINHEIRO são
unânimes em dizer que sim. O antecessor da presidenta Dilma foi alvo de
críticas do jornal Folha de S. Paulo há algumas semanas por ter
participado de seminários no Exterior, em viagens patrocinadas por
empresas privadas, principalmente empreiteiras.
O presidente Barack Obama aproveitou sua visita ao Rio de Janeiro,
em março de 2011, para dizer que as empresas americanas podiam
ajudar o Brasil a preparar a Olimpíada de 2016
Para os empresários, o assunto é visto com muitos pudores no
Brasil, quando na verdade se trata de uma prática corriqueira – a
Odebrecht, por exemplo, já convidou o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso para fazer uma palestra patrocinada pela empresa aqui no Brasil,
durante o evento cultural Fronteiras do Pensamento, que reúne
intelectuais como o escritor peruano Mario Vargas Llosa. “O Lula é um
‘pastor’ do Brasil, que prega sobre o Brasil e contagia investidores com
a sua empolgação”, afirma Otávio Azevedo, presidente da Andrade
Gutierrez. “O ex-presidente Fernando Henrique é de um brilhantismo
fantástico, mas ele não tem essa qualidade do Lula.”
Há quem tenha saudade, inclusive, dos tempos do ex-presidente Lula
na condução das viagens com o “sucatão”, o avião da Força Aérea
Brasileira, que transportava até 100 empresários e executivos para
missões comerciais de uma semana, com intensas reuniões de negócios em
até cinco países. “Chegávamos com o crachá de governo brasileiro, o que
fazia toda a diferença”, lembra Erino Tonon, vice-presidente de
estratégia das Empresas Randon, fabricante de implementos agrícolas de
Caxias do Sul (RS). “Foram muitas viagens para a África e para o Oriente
Médio, que seriam impossíveis de serem feitas individualmente.” Não por
acaso, as exportações para o Oriente Médio aumentaram 351% durante os
dois mandatos de Lula, passando de US$ 2,3 bilhões, em 2002, para US$
10,5 bilhões em 2010.
Já o comércio internacional com a África avançou 292% no mesmo
período, chegando a US$ 9,6 bilhões em 2010. As vendas para as duas
regiões continuam crescentes. Tonon acredita, no entanto, que falta um
pouco mais de entusiasmo na ampliação de novos mercados. “Os dois
ministros responsáveis pelo comércio exterior no governo Lula (Luiz
Fernando Furlan e Miguel Jorge) não eram políticos de carreira e estavam
realmente preocupados em vender os produtos brasileiros”, diz. “Hoje
nós temos um ministro da indústria que quer ser governador de Minas”,
completa, alfinetando o atual ministro Fernando Pimentel. Em todo caso,
nem todos concordam com Tonon. “A presidenta Dilma dá tanta importância
para o comércio internacional quanto Lula”, diz Jackson Schneider,
vice-presidente de relações institucionais da Embraer.
Erino Tonon, vice-presidente de estratégia e desenvolvimento
das Empresas Randon: "Chegar a outros países com o crachá
do governo realmente faz diferença"
Ele lembra, ainda, que ela delega essa função a outros integrantes
do governo. “Temos tido uma participação muito importante do
vice-presidente, Michel Temer, na promoção comercial do País.” Para
Marco Stefanini, presidente da empresa Stefanini IT Solutions, a
presidenta Dilma age como um CEO que precisa fazer escolhas. “Ela tem de
dar mais ênfase à organização da estrutura produtiva e menos à venda”,
diz Stefanini. Para ele, quando o País precisava levantar sua
autoestima, o ex-presidente Lula cumpriu a tarefa. “Agora, é hora de
gerenciar aqui dentro.” Divergências à parte, é fato que o governo Dilma
tem mantido a mesma estratégia do governo Lula. “A busca por novos
mercados e a ampliação do comércio com os parceiros já conquistados
permanecem”, diz o ministro Fernando Pimentel.
Ele cita, por exemplo, decisões tomadas na cúpula realizada em
Durban, na África do Sul, para ampliar o comércio intra-BRICS.
“Avançamos na criação do Banco dos BRICS e no acordo assinado entre
Brasil e China para o comércio com pagamento nas moedas locais.”
Gilberto Lima, da Going Global, reconhece o esforço do governo, mas
considera pouco para o tamanho do País. “O Brasil tem uma promoção
comercial extremamente tímida para um país que é a sétima maior economia
do mundo”, afirma. Faltam recursos, avalia Lima. Mas faltam, talvez,
mais mascates pregadores que vendam entusiasmo para fechar negócios no
Exterior que, ao fim e ao cabo, obrigam o Brasil a se tornar cada vez
mais competitivo.
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